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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube!

De onde veio o mote da peça de Gil Vicente, A farsa de Inês Pereira, “mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube”?

Trata-se de um mote que foi dado por algumas pessoas descrentes no talento de Gil Vicente, servindo, assim, como ponto de partida para a criação da farsa.
O teatro de Gil Vicente era algo inovador e por isso muitas pessoas acreditavam que ele plagiava suas peças. Audacioso, Gil Vicente aceita o desafio, surgindo deste modo “A farsa de Inês Pereira”.
A farsa já se inicia com uma explicação do autor sobre sua origem, como vemos no trecho a seguir:
A seguinte farsa de folgar foi representada ao muito alto e mui poderoso Rei Dom João, o terceiro do nome em Portugal, no seu convento de Tomar. Era do Senhor de 1523. O seu argumento é que, porquanto duvidavam certos homens de bom saber se o autor fazia de si mesmo estas obras, ou se a furtava de outros autores, lhe deram este tema que fizesse, scilicet, um exemplo comum que dizem: “Mais quero asno que me leve, que cavalo que me derrube.” E sobre este motivo se fez esta farsa. (VICENTE, p.61. 2002)

Assim, Gil Vicente constrói a farsa em cima do mote que, diga-se de passagem, é mais do que bem desenvolvido ao longo da história, pois ele usa dos tipos sociais e de um enredo comum para surpreender o público com seu jeito irônico de fazer teatro.
Inês é uma moça por casar e que possui o sonho de ter para marido um “homem avisado/ ainda que pobre e pelado.” (VICENTE, p.68, 2002), ou seja, o mais próximo possível de um fidalgo, pois ela é uma burguesinha provinciana. Acontece que Inês recebe o seu primeiro pretendente, Pero Marques (asno que me carregue) e não o aceita de forma alguma, zombando dele, pois apesar de ter dinheiro, Pero é um camponês muito simples que nem ao menos sabe usar uma cadeira.
Desta forma, aparece em sua casa dois judeus casamenteiros e lhe iludem descrevendo o marido que Inês sempre quis: um escudeiro educado, que sabe cantar e tocar instrumento e que possui maneiras gentis. Assim, Brás da Mata (cavalo que me derrube), um interesseiro que apenas quer dar o golpe em Inês, tenta conquistá-la com sua boa lábia, pois o casamento iria lhe tirar da miséria, afinal não tinha dinheiro nem mesmo para pagar o seu criado.
Encantada, Inês se casa com Brás da Mata, mas descobre neste casamento todo o desgosto do mundo, passando a desejar a morte do marido. Ele não a deixa ir a lugar algum e nem mesmo olhar pela janela, Inês passa a viver como uma prisioneira. Eis aqui então uma parte do mote bem desenvolvida: Brás da Mata é como um cavalo, elegante e bonito, mas que derruba Inês. Em busca de glória, Brás vai para a guerra lutar contra os mouros e acaba morrendo de forma desonrosa e Inês vê-se livre do seu odioso casamento.
Mais experiente, Inês decide que se casará apenas com um homem que faça todas as suas vontades, e assim, volta a aparecer em cena Pero Marques, que como podemos perceber é o asno que a carrega. Marido mais bondoso que Pero não existe, Inês é livre para fazer o que quer, pois ele só quer lhe agradar. Aproveitando de toda essa liberdade e da ignorância do marido, Inês comete adultério com um antigo namorado que se tornara Ermitão, um ermitão que reza para o deus do amor.
Tamanha é a ingenuidade de Pero Marques, que, quando Inês diz que o ermitão está muito sozinho, que ela quer lhe fazer companhia, ele se dispõe a levá-la nas costas para atravessar um rio, pois a esposa dissera-lhe que estava grávida e se tomasse friagem poderia perder o bebê.
Inês se vinga do primeiro casamento aproveitando-se do segundo marido e durante esta travessia vai cantando e pedindo para que Pero a responda. Sua canção é cheia de ironia, como podemos perceber no trecho a seguir:
Inês: Bem sabedes vós, marido,
Quanto vos amo;
Sempre fostes percebido
pera gamo.
Carregado ide, noss amo
Com duas lousas
Pero: Pois assi se fazem as cousas
Inês: Bem sabedes vós, marido,
Quanto vos quero;
Sempre fostes percebido
pera cervo.
Agora vos tomou o demo
Com duas lousas
Pero: Pois assi se fazem as cousas. (VICENTE, p.102-103, 2002)

Inês chama ao marido de “cervo”, dando a ambigüidade de ser ele um servo e também um animal com chifres, e, alegremente, Pero vai respondendo-a no decorrer do caminho. Esta peça mostra a grande criatividade de Gil Vicente, que desenvolveu brilhantemente o mote que lhe foi dado, usando de todos os elementos que caracterizam o teatro vicentino.

Referências bibliográficas:
VICENTE, Gil. O auto da barca do inferno. In: Série bom Livro. 5ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2002.


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