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sábado, 11 de janeiro de 2014

Busca das hipóteses de Rosenfeld no filme “Mais Estranho que a Ficção”

Olá pessoal, segue breves explicações que fizemos em algumas aulas e eu achei interessante, muito interessante. Lembre-se nunca pegue nada da internet sem referenciar. Boa leitura!


Busca das hipóteses de Rosenfeld no filme “Mais Estranho que a Ficção”

Letícia Cristina Maioli 
Letícia Maria de Godoy 
Letras Inglês

Anatol Rosenfeld, no ensaio Reflexões sobre o romance moderno, faz uma discussão sobre o romance moderno e propõe ao leitor uma série de reflexões baseadas em hipóteses de extrema importância para a caracterização e compreensão do gênero. E, para que haja um melhor esclarecimento das ideias, analisaremos, superficialmente, o filme Mais estranho que a ficção, lançado em 2006, escrito por Zach Helm e dirigido por Marc Forster.
A saber, as hipóteses levantadas pelo autor são ideias como a existência de um “zeitgéist”, ou seja, um espírito unificador de época que influencia as produções artísticas em cada período da história; a desrealização, ou seja, o não compromisso com a realidade, o rompimento com a mimese do real, o que engloba aspectos como o tempo, o espaço, o personagem e o fluxo de consciência que é a tentativa de representar o que se passa dentro da mente humana.
            Vamos então, analisar cada uma destas hipóteses com exemplos do filme em questão, neste o protagonista Harold Crick, sofre um processo de “maquinização” devido as transformação provocadas pelo capitalismo, o que podemos apontar como o zeitgéist da sociedade da Era 2000. Apesar de ser um homem bem-sucedido, vive exclusivamente em função do tempo, todos os minutos são contados para que possa aproveitá-los ao máximo e sua rotina é exatamente idêntica todos os dias, desde o momento em que escova os dentes, amarra a gravata, toma o ônibus e assim por diante, não tendo tempo nem para pensar.
            Tratando-se da “desrealização”, as obras deixaram de ser mimética, de representar a realidade. Depois de muitos anos vivendo uma vida insignificante (o que se enquadra também em outra hipótese do mesmo autor), Harold começa a ouvir uma voz feminina que “narra” todas as suas ações, como se fosse uma suposta autora de sua “história”. Este fato mostra que não existe um compromisso com a realidade, pois pensamos que a narradora está introduzindo o protagonista do “longa”, até ele ficar completamente assustado em escutar a voz dessa narradora. Percebemos então que, assim como nós, Harold escuta essa pessoa que narra sua vida e no começo pensa estar ficando louco. Algo completamente provável na mente de uma pessoa que sofre de esquizofrenia. Mas não é o que acontece.
Descobrimos no decorrer do filme que a narradora é uma escritora chamada Karen Eiffel, conhecida por “matar” todos os seus protagonistas. Ela está escrevendo a “vida” de Harold e por conta de prazos na editora, precisa, urgentemente, matá-lo e encontrar um brilhante fim para o romance. Para tanto, até mesmo contrata a ajuda de uma assistente que tem a missão de livrá-la do bloqueio criativo. Percebemos o fato claramente quando Harold, em uma cena, preocupado com o tempo como sempre, está no ponto de ônibus e percebe que seu relógio parou. Ele pergunta as horas para uma pessoa que está ao seu lado, ajusta seu relógio e escuta novamente a voz da narradora que diz algo como “mal sabia ele da sua morte iminente.” Diante desta frase Harold fica completamente descontrolado, começando a gritar para o alto e perguntar os motivos de sua morte. Mas, percebemos então, que Karen não o ouve, o que gera uma situação nada mimética, pois Harold começa a ter consciência de que é uma criação.
            De acordo com Rosenfeld, outra modificação essencial foi a “eliminação” ou “ilusão do espaço”. No filme, sabemos onde Harold está e o que está fazendo em cada local mostrado, mas há uma ruptura neste espaço ficcional com o suposto real quando ele liga para Karen enquanto ela está escrevendo exatamente sobre essa sua ação. Depois eles se encontram, o que gera uma situação bastante sobrenatural, pois o que era apenas uma ficção para Karen acaba se materializando exatamente a sua frente, rompendo com as barreiras entre ficção e realidade.
            É possível notar também, uma descontinuidade temporal, como afirma Rosenfeld “os relógios foram destruídos” (p. 80), A representação passa a ser dada de forma subjetiva, pois o homem “não vive no tempo, ele se torna o tempo”. Harold vive o presente, mas a todo o momento, o passado permanece inserido nele, visto que, seus dias são exatamente iguais aos anteriores. E, além disso, através da narradora, conhece seu futuro, inclusive que sua morte está próxima.
            O autor afirma que todas estas transformações foram decorrentes de um único desejo: o de representar, fielmente, as experiências psíquicas tão como são e não como deviriam ser. Por isso podemos identificar também o uso do fluxo de consciência no filme, pois o protagonista se vê obrigado a tomar uma providência para não morrer            e assim sua mente entra em fortes conflitos, perde-se a imagem de um personagem formado, delineado, real. Harold Crick oscila entre o mundo “real” e ficcional desfazendo a ideia da verossimilhança.
Outro fator que pode ser observado superficialmente é o behaviorismo. Harold Crick é um personagem cuja existência é insignificante. Ele não se sobressai dos demais, nem tem uma existência que se destaque no mundo. Ele simplesmente existe. Sua rotina é exatamente igual, ele não tem uma vida social e nem sequer pensa em tê-la. Seu trabalho é sua vida. Vive prezo ao relógio para nunca se atrasar, de modo que possa fazer as mesmas coisas nos mesmos horários. É um “Falso eu” que, como Rosenfeld postula, são seres humanos que “tendem a tornarem-se objetos sem alma entre objetos sem alma. Entes “estrangeiros”, solitários, sem comunicação.” (p.94) Percebe-se que Harold vai perdendo um pouco desta característica behaviorista quando, ao descobrir sobre sua morte iminente, ele começa a aproveitar a vida da melhor maneira possível, começando a tocar guitarra, a faltar ao serviço para se divertir, e mesmo sair com uma garota, coisas que antes nem cogitava em fazer. Então, ao saber que iria morrer, passa a perceber o “sentido” do eu, buscando novos caminhos para serem trilhados antes que tudo acabasse.
Portanto, após a análise que fizemos, consideramos as hipóteses levantadas por Rosenfeld relevantes para o estudo do romance moderno, pois as encontramos em várias outras obras modernas e também no filme Mais Estranho que a Ficção.

Referências


ROSENFELD, Anatol. Reflexões sobre o romance moderno. In:____. Texto e contexto I. São Paulo: Perspectiva, 2006, p. 75-97.

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